PAI TANTO QUANTO CASTO (Curso de Josefologia - Parte II - Capítulo 18)


Os evangelistas chamam José de Pai de Jesus, mesmo esclarecendo que Maria ficou grávida por obra do Espírito Santo (Mt 1,18-20; Lc 1,35). Contudo uma catequese frágil pode chegar à conclusão que São José não foi o verdadeiro pai de Jesus, mas apenas o seu tutor. Para dirimir esta dúvida Santo Tomás afirma que a “Prole não é tida bem do matrimônio somente enquanto gerada por meio desse, mas enquanto no matrimônio é acolhida e educada”. (IV Sent, d, 30,q.2, a . 2 ad 4).
Santo Agostinho por sua vez, afirma que José é “tanto mais verdadeiro pai, quanto mais o é casto” (tanto firmius pater, quanto castius pater). O Senhor não vem portanto do sêmen de José, também se assim se acreditava, conclui Agostinho  (Sermo 51,20,30).
Hoje com a  moderna biotecnologia contesta-se seriamente aquela paternidade que tem como único fundamento a geração. Basta lembrar a fecundação artificial, a fecundação in vitro, a gravidez supletiva (mãe de aluguel), a fecundação de embriões... Tudo isso muitas vezes levando em consideração a qualidade, a seleção e a conservação do esperma, e por outro lado ignorando completamente a pessoa denominada de doador.
Tudo isso leva-nos a avaliar atentamente o aspecto  puramente biológico da paternidade. A esse respeito é bom lembrar que Santo Tomás afirma: “que não dizemos que o homem é filho do esperma humano”.
Santo Agostinho, enfatiza que o Espírito Santo operou para todos os dois, (Maria e José) o Espírito Santo deu um Filho a ambos. “Agindo naquele sexo que devia dar à luz fez de tal modo que nascesse também para o marido” (Sermo 51,20,30).
O Espirito Santo não é pai de Jesus segundo a humanidade, por isso Santo Agostinho afirma que “Cristo nasceu do Espírito Santo não como filho. Da mesma forma, Santo Tomás afirma que de nenhuma maneira se deve dizer que Cristo é Filho do Espírito Santo e nem também de toda a Trindade (S.Th III q.32, a 2;a3). Cristo  foi concebido não pelo Espírito Santo, mas por obra do Espírito Santo.
Por isso o Papa Leão XIII na Encíclica Divinum Illud (9/5/1897) ensina: “A encarnação do Verbo é a maior obra que Deus realizou fora de si, à qual concorreram todos os  atributos divinos... Ora deste grande prodígio, se bem que realizado por toda a Trindade, se apropria todavia o Espírito Santo, onde diz o Evangelho que a concepção de Cristo no seio de Virgem foi obra do Espírito Santo...”
José com sua paternidade fez “dom total de si mesmo, da sua vida e do seu trabalho; e em ter convertido a sua vocação humana para o amor familiar na sobre-humana oblação de si, do seu coração e de todas as capacidades, no amor que empregou ao serviço do Messias germinado na sua casa”, como exprimiu Paulo VI. Em vista disso, o Espírito Santo que “honrou José com o nome de Pai”, segundo a expressão de Orígines, adornou-o consequentemente daquelas qualidades necessárias para o exercício de sua singular e altíssima paternidade. João de Cartagena fala de uma “simpatia” entre o Espírito Santo e São José pelo fato de ser o Espírito Santo o coração de Deus, e certamente afirmando que José era um homem segundo o coração de Deus, “é como se dissesse que ele procurou um homem conforme o Espírito Santo e, se é lícito exprimir desta maneira, tendo de qualquer forma uma certa simpatia por ele”.
Concluímos, portanto que o intervento do Espírito Santo na concepção de Jesus não excluiu a parte de José, e por isso a sua paternidade não foi esvaziada.
Ao lermos a genealogia de Jesus em Mateus 1, 1-17 concluímos que o evangelista tem o interesse para a sua messianidade e deixa claro que a sua concepção por obra do Espírito Santo não exclui a descendência davídica, mas é conditio sine qua non para a própria messianidade. Embora o tipo de Messias realizado por Jesus não correspondia a aquele da espera judaica, vê-se que a promessa de Deus a Davi é respeitada através do esposo de Maria, José, filho de Davi.

Depois de Maria, José é o primeiro chamado a confrontar-se com o mistério da maternidade virginal de Maria e diante dela José tem dúvidas e pensa em abandoná-la. Ora, isto é justificável somente no caso de que ele não fosse o pai do menino que Maria concebeu, e só na hipótese de uma virgindade física e  não apenas espiritual de Maria. Entretanto, no relato, José é verdadeiro esposo de Maria, embora não sendo o pai natural de Jesus.

            O Messias delineado pelos profetas devia ser descendente de Davi (Mt 22,42), pois sem isso não havia possibilidade de aceitá-lo como tal; por isso sem a paternidade de José, filho de Davi, isso não era possível. Somente dele poderia o menino ter sangue real em suas veias. Se José não é esposo de Maria, a Mãe de Jesus, este seu filho não seria o descendente de Davi. Jesus é descendente legal de Davi e  não um verdadeiro filho, no sentido físico, de José. Mateus jamais poderia ter feito  de José um pai putativo de Jesus se tivesse sido ele o pai natural, e igualmente não poderia apresentar Maria como mãe Virgem, se na verdade ela fosse mãe natural, ou seja, se Jesus fosse o fruto da união de ambos. A hipótese de estupro ou de um amante de Maria ter colaborado na geração de Jesus é totalmente privada de sentido, e não deve nem mesmo ser levada em consideração.
Na sua genealogia Mateus não fala da virgindade de Maria, pois excluindo a paternidade natural de José, afirma automaticamente a virgindade física de Maria. Ora, se José não é o pai natural de Jesus, a sua dúvida é real, assim como é real que Maria seja mãe virgem.
José conheceu ou  não o mistério da encarnação antes da revelação do anjo? Alguns alegam que o silêncio de Maria para com José tem os seguintes motivos: Maria temia que José não teria acreditado nela e inclusive ficasse bravo (João Crisóstomo). Maria não teria podido esperar em ser  compreendida por José (J. Schmid). Maria teria se colocado completamente nas mãos de Deus, deixando que ele completasse esse acontecimento (J. Knabembauer). Maria teria silenciado por humildade e modéstia (J.M. Bover). Maria teria silenciado porque de outra maneira não apenas não se compreendia a revelação do anjo, mas cairia todo o “pathos” da narração (F. Suarèz).
Pode-se dizer que no que diz respeito a virgindade de Maria, que a solução mais óbvia, porque mais natural e lógica, é considerar o indispensável testemunho de Maria e José, e pelo que diz respeito a ação do Espírito Santo, é necessário admitir a revelação divina que ambos receberam.
O encontro do divino com o humano deu-se na instituição da família, também se a divina presença concebida por obra do Espírito Santo devia comportar a cissão do vínculo conjugal, (v 19) Deus quis que fosse conservada a unidade (v 20, v 25). Aqui está a dignidade da família, dentro da qual Deus quis inserir a encarnação de seu Filho, não obstante a transcendência do evento. Aqui está a importância do matrimônio, o qual foi escolhido por Deus para a inserção honrada de seu Filho na família humana.
No momento culminante da história da salvação, José filho de Davi, foi escolhido por Deus e preparado para ser o esposo da Mãe de Jesus e para dar o nome ao menino, concebido por obra do Espírito Santo. Portanto, também se alguém quisesse afirmar que a pessoa de José não tem nenhuma importância na narração evangélica e por isso, nenhuma relação com Jesus, deve-se admitir que ele tem o direito de se apresentar como filho de Davi que garante a Jesus a conditio sine qua non da messianidade de Jesus.


Questões para o aprofundamento pessoal

1.    Procure entender e comentar com suas palavras as explicações de Santo Agostinho e Santo Tomás em relação a paternidade de José.
2.    Comente as explicações de alguns estudiosos quanto ao silêncio de Maria em relação ao seu esposo, quando esta concebeu Jesus.