A VOCAÇÃO DE JOSÉ E A SUA JUSTIÇA (Curso de Josefologia - Parte II - Capítulo 22)


Como Maria recebeu o anúncio de um anjo pedindo-lhe de aceitar a concepção de Jesus em seu seio, também José teve conhecimento de sua vocação e missão através do anúncio de um anjo. De fato, o evangelista Mateus (1,18-25), assim descreve: “Eis como nasceu Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava desposada com José. Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu por virtude do Espírito Santo. José, seu esposo, que era homem de bem, não querendo difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente. Enquanto assim pensava, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonho e lhe disse: ´José, Filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados’. Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor  falou pelo profeta: Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho, que se chamará Emanuel (Is 7,14), que significa: Deus conosco. Despertando, José fez como o anjo do Senhor  lhe havia mandado e recebeu em sua casa sua esposa. E, sem que ele a tivesse conhecido, ela deu à luz o seu filho, que recebeu o nome de Jesus”.
Neste relato José teve a aparição do anjo Gabriel durante um sonho, o qual deu-lhe algumas indicações precisas, tais como: ”José, filho de Davi, depois assegurou-lhe que era vontade de Deus que ele fosse esposo de Maria, dizendo-lhe: “Não temas”. Asseguro-lhe de que ele seria pai daquele que devia “salvar o seu povo de seus pecados”. Por fim, a sua resposta: “Tomou consigo sua esposa”.
O evangelista Mateus (1,19) colocou no centro da mensagem do anjo uma qualificação para José; aquela de Justo; “José seu esposo, sendo homem justo e não querendo abandonar Maria, decidiu de despedi-la em segredo”. Para Mateus a razão da intenção de José de abandonar Maria é porque era um homem justo, embora alguns tenham afirmado que José tivesse suspeitado algo de perverso em Maria, mas isso não apenas comprometia a sua honra, o que é uma calúnia, como também contradizia a “justiça” de José, pois fazia-o pensar mal de Maria. Esta teoria foi defendida por São Justino, São João Crisóstomo, Santo Agostinho, Santo Ambrósio, São Pedro Crisólogo, contudo São Jerônimo a repudiou-a totalmente. Para São Jerônimo: “José conhecendo a castidade de Maria e surpreendido por tudo aquilo sucedido, fechou no silêncio o mistério que não compreendia”. Deste modo, José, sendo justo se livrava de um problema para o qual não encontrava solução, pois ao abandonar Maria não iria lhe causar nenhum prejuízo à sua honra.
Por fim, outros viram neste acontecimento na vida de José, uma ligação com sua humildade; ele sentiu-se indigno de  condividir a sua vida com Maria sendo ela a mãe do Salvador. Assim pensou São Brasílio: “José se defrontou com duas coisas simultaneamente: tanto a gravidez de Maria como a sua causa, ou seja, causada pelo Espírito Santo” (In Christi generationem, 4 MG 31,1464).
Explicou melhor esta atitude de José o teólogo Karl Rahner para o qual seria absurdo ele, ao constatar a gravidez de Maria, não pedir o motivo desta,  ou não receber uma explicação. Por isso ele explica que a justiça de José “está enquadrada no estilo do Antigo Testamento, onde esta tem o significado de  cumprimento de toda a lei escrita, vale dizer, de santidade”. Uma outra explicação melhor compreensível vem do biblista León Dufour, para a qual “José reagiu como todos os justos da Bíblia diante de Deus que se apresenta nos acontecimentos de suas vidas: como Moisés que tira as sandálias, como Isaías atemorizado pelas  visões de Deus três vezes Santo, como Isabel, que se pergunta como é possível ir ao seu encontro a mãe do Salvador, como o Centurião do evangelho, e enfim como Pedro que protesta: “afasta-te de mim Senhor, sou um pecador” (Études d’Evangile, Paris 1965,  pg 81).
Embora todas estas explicações procuram dar uma luz às dúvidas de José quanto ao aceitar Maria como sua esposa, nenhuma delas satisfazem, pois não passam da afirmação das características de homem bom, humilde diante do mistério, como uma santidade notável... mas não exprimem a sua justiça realçada por Mateus e que no conceito bíblico indica alguém que é deliberadamente e totalmente disposto em cumprir a vontade de Deus no desenvolvimento de seu projeto de  salvação, como foi Noé, Abraão, Moisés, Isac, Jacó, etc. Na intenção de Mateus, a dúvida de José, movia-o a procurar descobrir qual era a sua missão ao lado de Maria como sua esposa para depois dedicar-se completamente em cumpri-la,  ou seja, sua dúvida o  conduzia a uma humilde espera da voz do céu, como uma solução prudente a tomar.
José é esposo de Maria, a qual concebeu Jesus por obra do Espírito Santo; esta verdade joga luzes na dúvida de José, a qual refere-se não a uma maternidade qualquer, mas a uma maternidade admirável, (RC 3) porque deu-se com o intervento do Espírito Santo. A dúvida de José é guiada por um sentimento da presença de Deus, e foi somente pela presença da ação divina em Maria que ele pensou em deixá-la. Como condividir a vida com aquela que está intimamente ligada a Deus?
Por isso foi necessário o intervento divino, onde José é chamado pela ordem divina a tomar consigo a sua esposa e a assumir a paternidade da qual ela tinha concebido por obra do Espírito Santo. De fato, o anjo dirigiu-se a José como ao esposo de Maria e como aquele que deverá impor o nome do Filho que nascerá da Virgem de Nazaré, sua esposa. O Anjo confia-lhe, portanto, a tarefa de um pai terreno a respeito daquele Filho de Maria (RC 3). O mensageiro o conduz no mistério da maternidade de Maria.
O Filho de Maria, sua esposa, lhe pertence segundo a lei humana e não somente segundo a genealogia. Pertence-lhe segundo a vontade divina que chama José a condividir com aquele “de quem toma nome toda família no céu e na terra” (Ef 3,15), o título de Pai. Honra tão grande que nenhum homem pode vangloriar-se de possuí-la.
Diante disso José despertando do sono fez o que o anjo lhe ordenara e lança-se na obediência da Palavra recebida, aceitando como disso Paulo VI, o seu destino. Ele tem uma religiosa escuta da Palavra Divina e uma absoluta disponibilidade para servir fielmente a vontade salvífica de Deus. Vemos aqui encarnado o modelo de obediência, distinguindo-se pela fiel execução da vontade de Deus. Juntamente com a bem-aventurança de Maria “Bem-aventurada aquela que acreditou”, pode-se referir-se também a esta, em certo sentido a José, porque ele respondeu afirmativamente à Palavra de Deus. A sua foi uma “puríssima obediência da fé” (RC 4).
José tomou a partir daí a sua esposa assumindo em tudo o mistério de sua maternidade juntamente com o filho que dela nasceria por obra do Espírito Santo. Ele demonstrou aqui uma disponibilidade de vontade semelhante àquela de Maria, (RC 3) e assim tornou-se juntamente com Maria, o primeiro depositário do mistério divino, e da mesma forma em relação a Maria, ele participa desta fase culminante da auto-revelação de Deus em Cristo. Com isso José é o primeiro a participar da fé da Mãe de Deus; ele é aquele que primeiramente foi colocado por Deus no caminho da peregrinação da fé, sobre a qual Maria irá à frente de modo perfeito (RC 5). Eis porque podemos dizer que São José é o modelo dos humildes que o Cristianismo eleva a grandes destinos (Paulo VI  alocução 19/3/1969).

Questões para o aprofundamento pessoal

1.    O evangelista qualifica a vocação de José denominando-o “Justo”; indique as várias explicações ligadas a este seu significado quando queria abandonar sua esposa.
2.    Qual o verdadeiro sentido da justiça de José que o evangelista quer-nos transmitir?