UM MATRIMÔNIO VERDADEIRO E CONVENIENTE (Curso de Josefologia - Parte II - Capítulo 13)


Visto que o matrimônio tem a sua importância na ordem da criação, ele também encontra-se na ordem da redenção que tem o seu fundamento na encarnação. Santo Tomás considera o matrimônio de Maria e José afirmando que o nascimento de Cristo de uma Virgem esposa foi conveniente para ele próprio, para a mãe e para nós. Para Jesus para que ninguém tivesse motivo de renegá-lo como ilegítimo. Para que a sua genealogia seguisse segundo o costume  a linha masculina. Para que o menino Jesus fosse defendido das insídias do diabo. Para que José providenciasse o sustento de Cristo. A respeito da Virgem o matrimônio foi conveniente para que ela fosse preservada da pena de lapidação, para que fosse livre da infâmia e para que José lhe fosse de ajuda. A respeito a nós foi conveniente porque o testemunho de José garante que Cristo nasceu de uma Virgem, como também para tornar mais crível as palavras da Virgem ao afirmar a sua própria virgindade. Porque tal matrimônio é símbolo da Igreja Católica Universal. Porque na pessoa da mãe de Jesus, esposa e virgem, vem honrada a virgindade e o matrimônio.
Quanto ao matrimônio de Maria e José, este foi verdadeiro, afirma Santo Tomás, porque houve a indivisível união  deles que os obrigou a manter-se fiéis um ao outro. O matrimônio entre eles foi verdadeiro porque ambos consentiram a união conjugal, embora não consentiram a união sexual, a não ser sob a condição; se fosse a vontade de Deus. O matrimônio enquanto união sexual não foi consumado, mas houve nele a educação da prole, ou seja, de Jesus.
Ao comentar Mt 1,16 (Esposo de Maria) Santo Tomás afirma que o matrimônio de Maria e José foi verdadeiro porque nele existiram os três bens do matrimônio: a prole, o próprio Deus; a fidelidade, porque não houve adultério, e o sacramento, porque houve a indivisível união deles.
Não se pode concluir, com o intuito de negar este matrimônio, que com a expressão “nascido de mulher” (Gal 4,4), o apóstolo Paulo queira afirmar Maria como uma mãe solteira, ainda que virgem. De fato, a Carta às famílias de João Paulo II, do ano 1994 afirma que “Jesus entrou na história dos homens através de uma família... um caminho do qual o ser humano não pode separar-se”(Nº 2) e o Filho de Maria é também o Filho de José, em virtude do vínculo matrimonial que os une” (RC 7).
É devido a validade do matrimônio de José com Maria que Jesus entra na genealogia que de Abraão passa por Davi, passando por Jacó que gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado o Cristo.
São José participou como nenhuma outra pessoa humana, com exceção de Maria, do mistério da encarnação de Jesus. Ele  foi o depositário do mesmo amor pela qual potencia o eterno Pai que nos predestinou a sermos os seus filhos adotivos por obra de Jesus Cristo (RC 1). José participou do mesmo mistério salvífico e do mesmo amor e esta sua participação é fundamental para compreender a importância de sua pessoa e de sua missão. Ele participou deste mistério juntamente com Maria, também se a sua maternidade não dependia dele; Maria portanto, não pode ser separada dele. “O mensageiro dirige-se a José como ‘esposo de Maria’; dirige a quem, a seu tempo, deverá por tal nome ao Filho que vai nascer da  Virgem de Nazaré, desposada com ele” (RC 3).
Do mistério divino escondido nos séculos na mente de Deus (Ef 3,9) José é juntamente com Maria, o primeiro depositário. Ele, juntamente com Maria participa desta fase culminante da auto-revelação de Deus em Cristo. “Desde o momento da Anunciação, José, juntamente com Maria, encontrou-se em certo sentido, no íntimo do mistério escondido desde todos os séculos em Deus e que se tinha revestido de carne” (RC 15).
Segundo Santo Tomás, como já referimos, o matrimônio de José e Maria é verdadeiro, e para isso ele distingue no matrimônio as duas perfeições: uma no que diz respeito a essência e a outra ao uso; assim não se pode cair no equívoco confundido união conjugal com união sexual, quase que ambas estivessem no mesmo nível. Para fortificar esta posição, lembramos novamente Santo Agostinho em sua reflexão iluminante quando contra o pelagiano Juliano, que negava a existência do matrimônio, se este não fosse consumado. Para defender a verdade do matrimônio Agostinho afirma o verdadeiro matrimônio de José e Maria, propondo a essência da união dos ânimos. Ele afirma que José é esposo de Maria, sua esposa, na continência não pela união carnal, mas por afeto, não pela união dos corpos, mas, e é o que vale mais, pela comunhão dos ânimos. E conclui que como era castamente esposo, assim era castamente marido.
 Assim, o vínculo matrimonial não é rompido pela decisão consensual de abster-se do uso do matrimônio, “Aliás, será tanto mais estável, quanto mais o mútuo acordo deles foi tomado não na base do prazeroso liame dos corpos, mas dos voluntários afetos dos ânimos” (De Nuptiis et concupiscentia, 1,11,12; PL 44,420-421).
Em outras palavras, a razão deste raciocínio é que “não é a paixão que a torna esposa, mas o amor conjugal... Não se deve portanto negar que sejam marido e mulher aqueles que não se unem carnalmente, mas se unem com os corações (Sermo 51,13,21; PL 38,344).
Santo Agostinho ensina por fim, que o exemplo do matrimônio de José e Maria mostra magnificamente aos cônjuges que eles “praticando por mútuo acordo a continência, o  matrimônio pode permanecer e ser chamado como tal, se é conservado o afeto da mente, embora sem a união sexual do corpo” (De Consensu Evangelista rum 2,1,2: PL 34,1074).
 Em vista do verdadeiro matrimônio entre ambos, segue que entre eles houve uma união envolvente e  inseparável. José  juntamente com Maria e também em relação com Maria, “participa da fase culminante da auto revelação de  Deus em Cristo e participa desde o primeiro início”. Ele é o primeiro colocado por Deus sobre o caminho da peregrinação da fé de Maria. Estas são afinações de Redemptoris Custos.
José não está simplesmente ao lado de Maria como um mudo testemunho do mistério, mas  participa profundamente dele. Esta sua participação e união passa fundamentalmente através do matrimônio deles.
Quando o anjo dirige a José com as palavras: “Não temas de tomar consigo Maria, tua Esposa, porque o que nela foi gerado é obra do Espirito Santo” (Mt 1,20), dirigiu-se como ao esposo de Maria e aquilo que se realizou em Maria por obra do Espírito Santo exprime ao mesmo tempo, uma especial confirmação do liame esponsal já existente antes entre eles; portanto, o seu casamento com Maria deu-se por vontade de Deus. Obediente, José toma, sem excitar, Maria como sua esposa e  não a conhece (Mt 1,25), respeitando o pleno projeto de Deus sobre ela, e assim ambos vivem juntamente e integralmente a experiência do dom recíproco. O chamado de Deus para que José tomasse Maria como sua esposa, na qual, com sua maternidade, manifestou a obra do Espírito Santo, exprime que o amor de homem presente em José, é regenerado pelo Espírito Santo. O coração de José, “Obediente ao Espírito Santo, encontra próprio nele a fonte do amor”, do seu amor esponsal de homem.
É em virtude do matrimônio com Maria que José desenvolveu a sua tarefa de pai e Jesus era, com pleno direito, reconhecido por todos como “Filho de José” (Lc 2,23), não obstante a sua concepção virginal (Mt 1,18-25; Lc 1,35). Jesus, portanto, é considerado dentro de seu natural quadro familiar, onde os pastores vão à gruta e encontram “Maria, José e o Menino” (Lc 2,16). Jesus é apresentado no Templo pelos seus pais (Lc 2,22). São seu pai e sua mãe a maravilhar-se do quanto se é dito sobre o menino (Lc 2,33). Será com seus pais que Jesus aos doze anos vai à Jerusalém pela Páscoa (Lc 2,41-42). Como também desligando-se deles permanecerá na cidade (2,43). Será Maria que dirá a Jesus: “Olha que o teu pai e eu aflitos te procurávamos” (Lc 2,48). Será em Nazaré que Jesus viverá submetido aos seus pais (Lc 2,51). Portanto, houve entre José e Maria um verdadeiro matrimônio,  também se característico, devido à sua singularidade de não gerar a prole, mas de acolhê-la e educá-la. Foi um matrimônio decretado por Deus em vista do nascimento conveniente de seu Filho, justamente porque Jesus acolhido neste matrimônio nascia no tempo, mas tinha a origem eterna, e por isso, não podia esse matrimônio a determiná-la, como sucede com cada ser humano. Por isso como afirmamos, e Santo Tomás esclarece, este matrimônio “foi ordenado especialmente para esta finalidade, ou seja, que a prole (Jesus) fosse neste acolhida e educada” (S. Th. IV sent, dist 30,q. 2 a 2 ad 4).
 O matrimônio é uma sociedade, ao qual, pela sua natureza, une-se a comunhão de bens, por isso se Deus deu José como esposo à Maria, “deu-lhe não apenas para ser companheiro de vida, testemunha de sua virgindade, tutor de sua honestidade, mas também para que participasse pelo fato do pacto conjugal da sua excelsa grandeza” (Enc. Quamquam Pluries, 15/08/1889).  
 Se é verdade que Maria “abraçando com toda disposição e sem nenhum peso do pecado, a vontade salvífica de Deus, ela consagrou totalmente a si mesma como serva do Senhor à pessoa e à obra do seu Filho, servindo o mistério da redenção sob ele e com ele, com a graça do Deus Onipotente”, como afirma a Igreja (LG 56), também José ao lado de Maria, mediante o liame conjugal de sua excelsa dignidade e santidade e dentro da Sagrada Família, teve por uma ordem divina a tarefa de cuidar da pureza de Maria, de guardar a divindade de Jesus e de tutelar o mistério da redenção; “Toda a santidade de José, está no cumprimento fiel até ao escrúpulo desta missão”. De fato, São José se distingue, como afirma o Papa Paulo VI, em “ter feito da sua vida um serviço, um sacrifício, ao mistério da Encarnação e à missão redentora com o mesmo inseparavelmente ligada; em ter usado da autoridade legal, que lhe competia em relação à Sagrada Família, para lhe fazer o dom total de si mesmo, de sua vida e de seu trabalho; e em  ter convertido a sua vocação humana para o amor familiar na sobre-humana oblação de si, do seu coração e de todas as capacidades, no amor que empregou ao serviço do Messias germinado na sua casa”.
Os teólogos ao analisarem tanto o texto de Mateus como de Lucas sobre o relato de como aconteceu o nascimento de Jesus, descrevem José como marido (Anêr) de Maria, enquanto que Maria é descrita como jovem (Gynê) e noiva (Mnesteùo). Estas diferenças não têm muita importância, pois para os hebreus o noivado ou casamento constituía o início de um autêntico matrimônio, coisa que é atestada também por Filon (De legibus specialibus, 3,12.72), assim como também na Bíblia, como por exemplo em Dt 29,7 e sobretudo Dt 22,22-25, onde se estabelece que a mulher fosse lapidada, seja ela casada ou solteira, se fosse apanhada em adultério. Portanto, para os evangelistas Mateus e Lucas não há a preocupação se no momento da encarnação do Verbo ambos eram casados ou apenas noivos, pois na verdade já existia um verdadeiro matrimônio.


Questões para o aprofundamento pessoal

1.    Por que o matrimônio de Maria e José foi conveniente?
2.    Por que, segundo Santo Agostinho este matrimônio foi verdadeiro?
3.    Dê ao menos uma razão da necessidade de José ao lado de Maria neste matrimônio.